Paralelos na história de duas nações: a Guerra das Rosas e a Batalha de Alfarrobeira

Em fins do século XIV a transitar para o XV, dois reis em dois países distintos decidiram tomar decisões idênticas que se tornaram nas sementes da discórdia que levariam à formação de partidos entre os nobres que tinham graus de parentesco entre si. A maneira como depois estes conflitos foram resolvidos é que tomou durações diferentes.

As nações de que estamos a falar são Portugal e Inglaterra e os reis respectivos João I e Eduardo III, e os conflitos que as suas decisões geraram denominam-se Batalha de Alfarrobeira e Guerra das Rosas. Vamos ver os pontos idênticos entre as decisões que tomaram e as diferenças nos desfechos que tiveram.

Em Inglaterra, o rei Eduardo III, teve quatro filhos varões que viveram até à idade adulta, a começar por Eduardo, o príncipe de Gales ( alcunhado de O Príncipe Negro por usar armadura negra nas batalhas da Guerra dos Cem Anos contra a França), e para satisfazer os não-primogénitos, Eduardo teve de criar ducados os três príncipes: João de Gaunt ficou com Lencastre, Edmundo de Langley com York e Tomás de Woodstock tornou-se duque de Gloucester. Foram os primeiros ducados criados em Inglaterra.

Em Portugal, João I, o vencedor de Aljubarrota seguiu a mesma direcção: na ordem de nascimento atribuiu ducados e posições a cada um dos infantes: D. Pedro tornou-se duque de Coimbra, D. Henrique duque de Viseu, D. João ficou com o mestrado da Ordem de Santiago e D. Fernando com a Ordem de Avis. Mais tarde, o filho mais velho – excluído da sucessão real por ser fruto de uma relação não legitimada do pai – D. Afonso, conde de Barcelos, tornar-se-ia duque de Bragança para poder ombrear de igual modo com os meios-irmãos. Mas também foram os primeiros ducados criados no nosso país.

Tanto João I e Eduardo III tiveram longos reinados, durante os quais os filhos de cada um mantiveram acções de guerra e expansão dos seus territórios. Enquanto Portugal começou a empreender a conquista do Norte de África, Inglaterra mantinha com a França a tradicionalmente denominada “Guerra dos Cem Anos”. Mas a situação começou a agravar-se devido a inépcia do rei Henrique VI, da casa de Lencastre, bisneto de João de Gaunt, para governar e à viragem da guerra a favor dos franceses desde o aparecimento de Joana d’Arc . A perda de territórios em França levou à reacção de seu primo, Ricardo duque de York, que conseguiu ser nomeado Lorde Protector do Reino para fazer face à incapacidade do primo rei da casa de Lencastre para fazer face à desfeita em terras gaulesas. Esta nomeação foi o ponte que levaria à Guerra das Rosas, em que a esposa do rei incapacitado, Margaret d’Anjou , levantou um exército para fazer face à influência de Ricardo de Iorque. Seria apenas o princípio de uma longa guerra que se arrastaria durante quase quarenta anos. A rainha venceria o conflito repondo o marido no trono e assassinando Ricardo de Iorque. No entanto, os três filhos de Ricardo de York, Eduardo, Jorge e Ricardo, decidiram vingar o pai e Eduardo e acabariam por depor Henrique VI, tornado-se o primeiro rei da casa de York como Eduardo IV.

Álvaro Vaz de Almada a ser chacinado em Alfarrobeira, ilustração de Roque Gameiro para a obra História de Portugal, popular e ilustrada de Manuel Pinheiro Chagas (1899-1905 )

Em Portugal, e após a morte de D. Duarte, o filho mais velho de João I, e devido à menoridade do seu filho, o futuro rei Afonso V, a regência foi inicialmente assumida pela mãe, a rainha viúva Leonor de Aragão, mas o partido que se reuniu em volta do infante D. Pedro, duque de Coimbra, teve influência que as cortes retirassem a regência a D. Leonor e a entregassem ao Infante duque de Coimbra. Seguiram-se um dos períodos mais esclarecidos da governação com o D. Pedro no poder (durante o qual Nuno Gonçalves pintou os painéis de São Vicente) que só foram terminados pela chegada à maioridade do jovem rei e o aparecimento de dois partidos, um em suposta defesa do rei, mas instigados pelos filhos do duque de Bragança, D. Afonso, de que o Infante D. Pedro pretenderia eliminar o sobrinho e tornar-se rei. As intrigas acabaram por dividir toda a nobreza portuguesa de alto a baixo, de forma que os dois partidos (casas de Bragança e de Coimbra) se confrontaram em batalha em 1447 no lugar de Alfarrobeira, situado perto de Alverca, no Ribatejo. O desfecho foi a vitória do partido da Casa de Bragança e a morte dos líderes do partido do duque de Coimbra,como o próprio D. Pedro e o seu lugar tenente Álvaro Vaz de Almada. A casa de Bragança passou a conseguir controlar o jovem rei, um período em que a nobreza e os apoiantes da casa de Bragança teria uma grande influência na governação de país, algo que só seria terminado mais tarde com a entronização do poder do filho João II em 1481, cuja mãe, Isabel de Coimbra, era também prima do rei, filha do Infante D. Pedro.

Em Inglaterra, por esta altura, o Rei Eduardo IV da Casa de York, filho do antigo lorde protector Ricardo de York faleceria, tendo como sucessor seu filho menor Eduardo V enquanto que o seu irmão Ricardo, duque de Gloucester, tornar-se regente como Lorde Protector durante a menoridade do jovem Eduardo. Não satisfeito com a regência, o ambicioso Ricardo prenderia o pequeno Eduardo juntamente com o seu irmão Ricardo na Torre de Londres, de onde mais tarde os príncipes desapareceriam, dando à origem à lenda dos Príncipes da Torre. Ricardo torna-se rei e a contestação dos nobres que antes suportavam a casa de York devido à usurpação do trono por Ricardo motivada pela desaparição dos sobrinhos, levaram-nos a aderirem à causa do último representante da malograda casa de Lencastre, o jovem Henrique Tudor, de varonia galesa, mas cuja mãe (Margaret Beaufort) também descendia de João de Gaunt e o pai (Edmundo Tudor, conde de Richmond) era filho da relação de uma rainha viúva da casa de Lencastre (Catarina de Valois, de Henrique V) com um nobre galês, Owen Tudor. Henrique Tudor venceria e mataria Ricardo de York na batalha de Bosworth, tornado-se no último rei de Inglaterra entronizado em batalha e dando origem à casa de Tudor. Para poder fortalecer a sua posição, o jovem Henrique VII casar-se-ia com a filha mais velha de Eduardo IV e sobrinha de Ricardo, Elisabeth de York, juntando finalmente as duas casas e pondo fim ao conflito dinástico. Mas foram precisos 40 anos para finalmente a Inglaterra conhecer a paz, após o fim da Guerra dos Cem Anos.

João II em Portugal e Henrique VII em Inglaterra lutariam para retirar o poder aos nobres e voltar a centralizar o poder régio e evitar a criação de facções rivais na nobreza, algo que só seria conseguido definitivamente pelos seus respectivos sucessores D. Manuel e Henrique VIII.

Apesar de Inglaterra o conflito entre as casas ter levado décadas a ser resolvido e em Portugal uma batalha única resolveu o diferendo, as causas foram idênticas em ambos os casos: intrigas e concessões de poder do rei aos filhos, que partilhavam entre si relações familiares muito próximas com os restantes nobres a juntarem-se em torno de cada uma destas figuras, levando a que cada um dos partidos tivesse sempre como prémio o direito de decidir quem seria o rei após uma vitória militar.

Curiosamente, havia laços familiares entre Inglaterra e Portugal: Filipa de Lencastre, a única britânica que foi rainha de Portugal, era filha de João de Gaunt, e uma das suas filhas, a infanta D. Isabel, casar-se-ia mais tarde com o duque da Borgonha, sendo um dos seus filhos Carlos o Temerário, o último duque e apoiante dos York em Inglaterra. O Infante D. Pedro visitaria ainda em tempo do reinado do pai, o reino da sua mãe, Inglaterra, acompanhado por mais doze nobres, episódio mais tarde relatado por Camões nos Lusíadas como os Doze de Inglaterra.

Autor: digitalfisherman

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