The Darkening Age: The Christian Destruction of the Classical World by Catherine Nixey

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Aqui está um bom livro dirigido às mentes que não acreditam que os Cristãos destruíam templos nos fins do período clássico – da mesma maneira que os jihadistas do Daesh derrubaram monumentos –  e que cunharam o termo “pagão” para se referir a tudo o que não era cristão  – e por esse motivo destruíram todos os templos e edifícios não religiosos mas conotados com a cultura greco-romana: sendo a Biblioteca de Alexandria o melhor exemplo. Estes episódios conturbados foram bem transpostos para o grande ecrã pelo realizador chileno Alejandro Aménabar na sua obra Ágora, de 2009, com Rachel Weisz no papel da filósofa Hipátia. Agora, Catherine Nixey vem nesta obra relatar que os cristãos, mesmo os mais fanáticos, não destruíram templos nem cometeram atrocidades. Os parabolani de São Cirilo, patriarca de Alexandria, foram responsáveis por muitos destes acontecimentos, relatados no filme de Aménabar e que foi alvo de censura nos meios mais ortodoxos dos Estados Unidos e Itália.

ACTUALIZAÇÃO: Existe uma tradução em Português com o título “A Chegada das Trevas” pela editora Saída de Emergência.

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Os dois Portugais (urbano vs rural)

 

two pt rectangles with their backsToda a discussão que se vem assistindo nos últimos dois dias a respeito das touradas nas redes sociais parece-me condenada a cair em saco roto, como o sexo dos anjos. Já há muitos anos houve uma tentativa por parte de um grupo defensor dos animais de impedir a realização das Touradas de Barrancos, que se primam por serem as únicas onde não é cumprida o quase centenário banimento dos touros de morte no nosso país. Este ano o Partido dos Animais e Natureza (PAN), mais um grupo de cidadãos decidiu levar “atrever-se” a elevar a fasquia e tentar suspender a realização de toda e qualquer tourada no nosso país através de um projecto-lei.  O PAN foi mais avante e aproveitou para apresentar na autarquia lisboeta outra proposta para terminar com as touradas no Campo Pequeno. Mais tarde o Bloco de Esquerda apareceu a juntar-se ao PAN com a ideia de proibir as touradas na TV.

Toda a telenovela deste último mês pode ser consulta resumidamente no jornal Público. Verdade seja dita, desta vez acho que pelo mesmo princípio deviam proibir a matança do leitão, o abate de borregos, e também suspender quaisquer “números” envolvendo bestas em espectáculos circenses, para bem da coerência. Grupos estes que provêm do Portugal Urbano, que começou em Lisboa desde o século passado e que desdenha do Portugal Rural, o qual só salta para as notícias quando vêm notícias de calamidades (incêndios, desertificação, envelhecimento…). Este Portugal Rural teve origem praticamente desde o início da fundação da nacionalidade. Poder-se-iam dizer que muita da sua cultura e tradições virão desde tempos primevos. O folclore, as histórias fantásticas de criaturas fantásticas de mouras encantadas e outras criaturas que tais tudo são características desse Portugal Rural em vias de extinção e desaparecimento. No caso da região portuguesa de que sou residente, o Portugal Rural está condenado ao desaparecimento sob um mar de betão, campos de golfe, interesses económicos hostis que sabem manipular os fracos poderes decisórios da região, contorná-los a seu belprazer. O Algarve é tradicionalmente dividido em três zonas: Serra, Barrocal, Litoral. Os primeiros empreendimentos turísticos como alojamentos hoteleiros começaram todos no litoral, mas ao pouco foram encontrando também espaço para progredirem em direcção ao interior ao ponto já de termos um campo de golfe em plena serra (não vou dizer para lhes fazer publicidade). Lado a lado com o Algarve Rural, existia até há 50 anos um Algarve das pescas, todo ele centrado na pesca de uma espécie de peixe chamada Atum Vermelho. O definhar dos seus cardumes e a Nova Era do Turismo Massificado que começou nos anos sessenta com a construção do Aeroporto ditou uma viragem. O Algarve Rural vai sendo aos poucos substituído pelo Algarve como marca turística de destino de férias para todo o tipo de classes económicas.

Mas voltando atrás, e ao assunto com que iniciei este artigo, vejo nesta discussão de amantes vs. detractores das touradas um confronto entre este dois Portugais, o Portugal Moderno e Urbano dos centros urbanos em oposição com o Portugal Rural, antigo, milenar e ainda resistindo. Esta discussão das touradas tem tudo a ver com isso. Os animais nas cidades terão melhores condições de vida do que no campo !? Existem vegetarianos amantes de agricultura biológica a dar uso a solos abandonados no Interior do país. Já todos sabemos isso, as assimetrias litoral / interior, a debandada da juventude para o litoral ou para o estrangeiro. Estas tradições como as touradas e a matança do leitão que parecem rituais bacocos e sem sentido para quem nasceu e cresceu numa cidade e que olha todas as espécies de animais como animais de companhia, e passíveis de não serem alvo de sofrimento inútil e ignóbil, olhando para as touradas da mesma forma para os mais ancestrais combates de cães, grilos e galos.

Pessoalmente, nasci no Portugal Rural encostado ao litoral. Na minha infância, perdia a conta aos galos que ouvia cantar de manhã cedo que respondiam uns aos outros. Habituei-me a ouvir as partidas das traineiras para o mar ao sol nascente como melodia do próprio alvorecer. Nasci no Portugal Rural e Litoral antigo, mas eu não mudei de residência, tudo à minha volta é que mudou. A minha localidade de residência passou de lugar de residência permanente para estância de veraneio em 30 anos. Acabou a pesca, vieram os turistas. Foram-se os galos, as traineiras e todos os sons da natureza. Antigamente conseguia caminhar na falésia que liga a minha localidade com a sua vizinha a leste mais antiga a pé, sem obstáculos. Actualmente, já não é possível, por todo o lado, foram erguidas vedações, ou colocados cães de guarda, ou portões. Sinto saudades do Portugal Rural da minha infância. Vivi uns quantos anos da minha vida em Lisboa, e confesso que nunca me consegui adaptar a viver num local com tanta gente. Estava habituado a viver numa terra onde me habituava a ver todos os dias as mesmas caras no transporte público que me levava para a escola na sede do meu concelho. Quando fui estudar no Superior para a capital, foi isso que mais me custou, perder a minha “ruralidade” , ver caras diferentes nos transportes públicos todos os dias.  Tenho saudades da infância e da minha aldeia de pescadores (agora transformada em vila turística, cercada de prédios que estão vazios fora dos meses de Verão).

O Portugal Rural tem o seu quê de rude e animalesco é verdade, mas sempre foi assim desde há séculos. Habituados ao convívio com a Natureza, encontravam nos Touros de Lide uma forma de afirmarem o domínio da espécie humana no meio rural sobre as suas criaturas. Os rituais de uso de bovinos é milenar e há provas disso desde uma das primitivas civilizações (a civilização minóica, pré-clássica, de Creta). Mas estamos a desviar-nos do essencial.

O assunto aqui em questão é esta dicotomia Portugal Rural Antigo contra Portugal Moderno Urbano. O caso dos incêndios providencia também um excelente exemplo deste conflito. Mas isso ficará para outro tempo.

Apesar de tudo o que disserem, iremos continuar a ter corridas de touros no Campo Pequeno e outras praças no país e touros de morte em Barrancos. Mas, uma vez mais, as coisas podiam ser mais suavizadas. Derramar sangue na arena, e a assistência de menores era algo que poderia e devia ser legislado.