Três exemplos do modernismo no Algarve

O seguinte ensaio pretende dar uma ideia de vários trabalhos de pintura, escultura e arquitectura efectuados no Algarve durante o século XX e cuja obra se caracteriza dentro do movimento conhecido por modernismo.

Paisagem – Algarve, por Carlos Filipe Porfírio

Segundo Francisco Rosa Dias (Dias, 2022, p. 19), em 1923 o pintor Roberto Nobre propunha que fosse criado no Algarve um museu de pintura. Isto porque em Lisboa haviam ocorridos 5 exposições havia pouco tempo de artistas algarvios, reconhecendo que havia pelo menos 7 nomes, todos eles, no entender de Nobre, ”pintores algarvios ou residentes no Algarve, ou pintando sobre o Algarve” (sic), estando entre eles o notável Eduardo Viana, então a residir em Olhão.

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Museu da cidade de Lisboa – um verdadeiro museu local?

O Museu de Lisboa que se encontra sedeado no Palácio Pimenta no Campo Grande deveria intuitivamente cair dentro da classificação de um museu local ou regional. Mas há razões para crer que se trata mais provavelmente de um museu artístico-arqueológico. Veremos os dois pontos de vista com exemplos para que seriam razões para crer se preenche as condições de um doutro tipo.
O museu regional pertence a uma categoria que é centrada em dar a conhecer a valências culturais e históricas de uma localidade ou região. Vocacionado para tanto o público local e geral, pretende registar para a posteridade as peculiaridades de uma cidade ou região, tendo em conta o contexto histórico próprio e tudo o que faz ser diferente das demais regiões.
O primeiro museu da cidade foi fundado em 1942 no palácio da Mitra em Marvila movendo-se para este palacete em 1979, depois de ter sido adquirido pela autarquia de Lisboa em 1961. O conceituado arquitecto Raul Lino ganhou um projecto para a remodelação com o fim explícito de ser o museu da cidade. O próprio edifício está classificado como Imóvel de Interesse Público (alvará de 1936) por albergar uma colecção de azulejos setecentistas de Nicolau de Freitas. (Noé e Figueiredo, 2011).
Como um museu tradicional, possui uma colecção própria em exposição permanente, destacando-se a pintura seiscentista de Dirk Stoop representando o Terreiro do Paço nessa época. A nível de interpretação histórica é de relevo a maquete da cidade pré-terramoto.
Como a maior parte dos museus, a necessidade de adquirir mais materiais a preservar levanta questões relacionadas com o espaço, o que se torna uma barreira para o crescimento do espaço museológico, visto que o edifício se encontra classificado.(Faria, 2010)
Não que esteja em mente fazer uma “ampliação” subterrânea à maneira da que foi feita para o museu do Louvre (Louvre | History, Collections, & Facts | Britannica, 2023)., mas a solução adoptada foi a de dar ao museu um cariz polinucleado, com vários “submuseus” em diferentes pontos da cidade. Como não se pode trazer alguns artefactos para um museu, um novo núcleo por exemplo foi aberto no local da exploração arqueológica do Teatro Romano. Por outro lado, esta abordagem permite a requalificação dos espaços que vão ser os novos núcelos já que eles próprios são património classificado.
Apesar de a classificação mais fácil de fazer seja de o considerar um museu regional, por o tema ser claramente a cidade e daí decorrer uma abordagem transversal de diferentes campos culturais desde as artes visuais até artefactos arqueológicos (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 261), no entanto faltam-lhe características para ser considerado um verdadeiro museu regional.
Isto porque os museus locais possuem, devido à sua grande abrangência cultural com perspectiva etnográfica, uma vertente demonstrativa do património imaterial onde seriam abordados fenómenos como o dialecto, formas de coabitação, artes manuais, artifícios, gastronomia, coreografia, tradição oral, hábitos musicais e folclore, etc. (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 264) (Marques, 2013, p. 235).
Sem dúvida, no momento histórico que atravessamos, devido à globalização em que todos os habitantes no planeta são praticamente todos contactáveis entre si, existe um crescendo no sentido da homogeneização cultural a nível global, estando em risco de desaparecer os endemismos próprios de cada ponto localizado no planeta, daí a necessidade de preservar todas estas características de imaterialidade que individualizam um local, neste caso, uma cidade (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 264).
Conceptualmente, os museus locais são importantes meios de interacção com a população local como forma de reterem a sua identidade própria, origens e forma de estimular hábitos de valorização do seu património, promovendo o desenvolvimento humano, pessoal e impessoal, através da educação, investigação, publicidade, economia e turismo. (Primo, 2006)
Como exemplos de um museu local “completo” temos o caso da Vila-Museu de Mértola. Este museu é polinucleado e estende-se por todo o concelho: a partir do castelo e da igreja matriz, que conserva grande parte fundamental da mesquita que foi, foram sendo “musealizados” vários espaços da vila : começou com um museu de arte sacra, seguido de uma antiga forja que foi transformada na “Forja do Ferreiro”. Achados que resultaram das explorações arqueológicas passaram a constituir uma exposição num núcleo islâmico. Para além da arqueologia, foi criada uma oficina de tecelagem para a demonstração ao vivo desta arte. Fora da vila, na antiga aldeia mineira de São Domingos, foi reaproveitada uma antiga habitação social de mineiros para constituir a Casa do Mineiro. Trata-se, portanto, de um museu tradicional com arte e arquitectura mas também com uma forte componente etnográfica.(Rafael, 2010, pp. 41–48)
Como exemplo de um museu elaborado à volta do saber imaterial temos o museu de trabalho Michel Giacometti, em Setúbal. Este etnógrafo italiano percorreu o país todo entre as décadas de 60 a 80 recolhendo a tradição musical ligada à actividade laboral. O museu é polinucleado e a sua sede aproveita uma antiga fábrica conserveira, cujo acervo foi recuperado e exposto juntamente com artefactos ligados às actividades agrícola e piscatória. Outro dos núcleos deste museu é uma mercearia antiga, transladada para o museu principal, de maneira que os visitantes podem experimentar a atmosfera de um mercado tradicional do princípio do século XX. Este museu apoia migrantes de baixa condição social, apoiando esta comunidade através das “Tardes Interculturais”. Por outro lado, a terceira idade é incentivada a dirigir-se ao museu e interagir com os visitantes contando as suas histórias de vida (Marques, 2013, pp. 241–8).
Desta forma, e através destes exemplos podemos ver que para ser considerado um verdadeiro museu da cidade, este teria de possuir uma componente etnográfica. Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que as metrópoles são sobretudo amálgamas de gentes provenientes de épocas diferentes de todas as partes do país, de forma que o “genuíno” ser tradicional – os seus “endemismos” – lisboeta ter-se-à perdido à muito, se é que realmente alguma vez existiu. Lisboa é capital nacional desde a Idade Média. Nunca terá algo semelhante a um “museu de província” como os de Setúbal e Mértola.

BIBLIOGRAFIA
• FARIA, Ângela Dos Santos – Museu da cidade. Um crescimento ilimitado. Ampliação e reestruturação dos núcleos dos séculos XX e XXI [Em linha]. [S.l.] : Faculdade de Arquitectura de Lisboa, nov. 2010 [Consult. 10 mai. 2023]. Disponível em WWW:. masterThesis.
• Louvre | History, Collections, & Facts | Britannica – Em Britannica online [Em linha] [Consult. 12 mai. 2023]. Disponível em WWW:.
• MARQUES, Joana Ganilho Henriques – Museus locais. Revista Vox Musei arte e património. . ISSN 2182-9489. 1:2 (2013) 235–246.
• NOÉ, Paula; FIGUEIREDO, Paula – SIPA – Casa da Quinta da Pimenta [Em linha], atual. 2011. [Consult. 10 mai. 2023]. Disponível em WWW:.
• PRIMO, Judite – A importância dos museus locais em Portugal. Cadernos de Sociomuseologia. 25 (2006).
• RAFAEL, Lígia Isabel Da Silva – Os trinta anos do projecto Mértola Vila Museu : Balanços e perspectivas [Em linha]. [S.l.] : Universidade de Évora, 25 mar. 2010 [Consult. 15 mai. 2023]. Disponível em WWW:. masterThesis.
• ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz et al. – Iniciação à museologia [Em linha]. [S.l.] : Universidade Aberta, 1993. 1–237 p. [Consult. 12 mai. 2023]. Disponível em WWW:.

O “cinema novo” português e as memórias dos antepassados

O “Cinema Novo” foi um movimento que tentou refundar o cinema nacional em torno de novos paradigmas: em vez de adaptar uma história de um romance para o grande écrã, grandes adereços, actores e orçamentos, havia a preocupação sobretudo de contar uma história com a menor sofisticação possível. Daí que apareceram filmes de autor, contando histórias individuais com os quais a audiência se pudesse identificar.
Tal é o caso em “Verdes Anos” em que um jovem da província -Júlio – chega a Lisboa para vencer na vida, inicia um romance inesperado com uma rapariga da cidade, no qual acaba apenas revelando a sua insegurança. Com uma banda sonora profunda e contagiante da autoria do consagrado Carlos Paredes, o espectador é transportado para a Lisboa dos anos 60, onde ainda subsistem pequenas bolsas de ruralidade e nas quais habita o tio de Júlio – tal como ele provindo da província – , sinais que antecedem o desfecho do filme, em que o rural soçobra perante o avanço da urbanidade.

Verdes Anos (1963). Habitação do tio de Júlio, em zonas de Lisboa ainda por urbanizar


Quatro anos depois, o realizador Paulo Cunha volta a iniciar a sua história com a chegada, ou melhor, o regresso de um pescador à sua terra natal e verificar que todo o mundo que esperava voltar a encarar tinha desaparecido, em consequência da namorada se ter casado com o irmão. Ignorado, Adelino tenta recomeçar a sua vida no mar, mas a ideia de recuperar o que tinha perdido não lhe sai da mente. Temos mais uma vez um filme centrada numa personagem que procura reajustar-se com a realidade.
O “cinema novo” português foi a transposição para a Portugal da “Nouvelle Vague” francesa. Vários dos cineastas deste novo paradigma estudaram e interagiram com vários nomes sonantes deste movimento, como Jean-Luc Goddard e Truffaut. Um bom exemplo de obra de Truffaut é o “Menino Selvagem”, onde se relata a descoberta de uma “criança feral”, que ficou conhecido para a posteridade como “Victor de Aveyron” e das tentativas que um sábio, interpretado pelo próprio Truffaut, realizou para civilizar e “recuperar” o rapaz. De certa maneira, os temas do neorrealismo cruzam-se aqui, na medida de que forma a sociedade e o meio moldam o nosso desenvolvimento e de que forma nos tornam nuns inadaptados quando somos colocados num “habitat” diferente. É de certa maneira o que se passa com Júlio e Adelino, que foram retirados da sua zona de conforto e da forma como reagem nessa nova condição. De certa forma é como que os cineastas do novo movimento estilístico se estivessem a questionar de que forma as suas novas ideias os fariam parecer como as próprias personagens da sua história, como se fossem incapazes de fazer passar as suas novas histórias ou a audiência os fizessem sentir como as personagens inadaptadas das suas histórias.
Pessoalmente, o enredo não suscitou pessoalmente o meu interesse, mas o lugar e o meio onde ele se desenvolveu. Como descendente de uma família de pescadores oriundos da Murtosa, não muito longe de Ovar, foi interessante descobrir como viviam os habitantes do Furadouro e descobrir as suas práticas diárias. Vêm-se cabanas de pescadores, cânticos religiosos enquanto remam, moliceiros, o mar a avançar sobre a terra, que foi como que despertar memórias ocultas de antepassados no meu ser.

Trecho de Mudar de Vida com cânticos de devoção a Nossa Senhora