Os esclavagistas da Berbéria

Tendo em conta que o sr. presidente de Portugal decidiu, en hora mala, referir-se a eventuais indemnizações históricas que Portugal terá que fazer pelos males que causou ao longo da sua historia, com relevo para a colonização e escravatura, é preciso não esquecer que, em sentido inverso, ninguém fala da procura activa de escravos que era feita nas costas europeias do Mediterrâneo por parte de piratas oriundos dos países do Magrebe e do Império Otomano até ao início do século XIX. Estas zonas, conhecidas como Berbéria na altura, especialmente em torno da moderna cidade de Argel, capital da Argélia tornaram-se um importante centro de comércio de escravos europeus.

Toda a linha costeira do Algarve possui fortalezas que foram erigidas nos séculos 16 e 17 que não foi feita apenas por causa de ataques de potências estrangeiras na época, mas também por causa desta pirataria esclavagista. Temos provas dos ataques que eram feitas por estes “berbérios” durante séculos, desde ataques às armações de Atum em Lagos , ou os ataques em Tavira no século 16, como os ataques a Tavira e à fazenda da Gomeira. Muitas das populações de pescadores que viviam em pequenas aglomerados no litoral abandonavam-nos para se refugiarem na serra.

Ninguém se refere às eventuais maleitas causadas por estes ataques de muçulmanos ás costas europeias e se os estados africanos deles descendentes desde Marrocos, Argélia e Turquia deveriam para reparar o mal que fizeram aos europeus mediterrânicos durante trezentos anos.

Muitos destes prisioneiros, acabavam por ser “adquiridos” com fins consoante o género: os homens iam para as galés e as mulheres para os haréms. Para os homens, só havia possibilidade de libertação se se convertessem ao islamismo, que foi o que muitos fizeram, como foi o caso do holandês Jans Janzoon, que se converteu recebendo o nome de Murad Rais, e acabou sendo nomeado almirante da frota da República de Salé, na actual costa marroquina do Atlântico, cuja economia vivia inteiramente à volta do esclavagismo.

O raio de acção destes piratas era tão vasto que chegaram a haver ataques à Islândia e às ilhas Faroe. Na costa de Irlanda ficou documentado para a história o ataque a Baltimore, na coste oeste da Irlanda, em 1631, feito pelo mesmo Murad Reis referido anteriormente. Foram feitos prisioneiros 118 aldeãos, homens, mulheres e crianças que foram traficados para Argel, tendo três conseguido libertar-se e voltar mais tarde à Irlanda. Na sequência deste ataque a aldeia foi abandonada e os habitantes refugiaram-se na periferia.

E se Trump for eleito estando na prisão ?

É uma hipótese, mas possível, este cenário que parece saído de um romance de Kafka. A constituição dos Estados Unidos não impede ninguém de concorrer a uma eleição presidencial mesmo estando condenado. Nunca ninguém terá tido o cuidado de apresentar medidas legislativas porque nenhum político no seu senso normal, em 250 anos da nação estado-unidense, preveria que um criminoso, mesmo depois de condenado, fosse capaz de reunir adesão popular suficiente para criar este cenário que pareceria saído de uma teoria conspiracionista.

Apenas hoje, na minha mente comecei a prever cenários do que seria ver este homem – depois de sair da prisão directamente para a Casa Branca, o que o tornaria ao lado de Putin num presidente condenado a exercer funções oficiais. No caso de Putin por ser condenado por crimes de guerra no Tribunal Internacional, no caso de Trump por questões internas.

Para além do choque que seria em ver alguém a sair de uma prisão como “directamente” do Inferno para o Céu, sem passar pelo Purgatório. Como aconteceria em apresentar-se ao mundo ao lado de líderes dos países democráticos. Não teriam outro remédio senão receber e cumprimentar um criminoso que pela vontade dos cidadãos estado-unidenses foi eleito líder da nação. Todos temos por vezes de cumprimentar profissionalmente pessoas com as quais não concordamos. Mas neste ponto seria uma situação completamente inusitada. Seria sem dúvida a mais inusitada porque da forma como está a decorrer a acção judicial no estado da Geórgia, onde várias pessoas já se assumiram como culpadas e negociaram com a justiça as penas, os indícios parecem ser muito fortes, a contar com o telefonema revelado de Trump ao secretário do Estado para lhe “arranjar votos”.

Várias eleições vão ter lugar em 2023, mas a eleição americana é de longe a mais imprevisível e de consequências mais importantes para o mundo inteiro.

Porque deixei de colaborar na Wikipedia

Nota: este conteúdo foi originalmente publicado na área pessoal da Wikipedia.

Várias razões me levaram a desistir de colaborar na Wikipedia. Após chamadas de atenção por parte de administradores que me parecem na realidade bots de Inteligência Artificial relativamente a eventuais violações de direitos de autor da minha autoria, sendo que um dos artigos esteve 5 meses sem qualquer problema.

Tenho registo na Wikipedia desde 2004, e vinha activamente colaborando no projecto, começando por artigos sobre a minha terra natal, passando mais tarde a figuras notáveis da minha zona, chegando a outros temas como genealogia de várias famílias nobres cujo nome se expandiu a nível nacional com origem na minha região.

Sempre seguindo as normas, as quais respeitava porque acreditava nelas, de fornecer fontes em quantidade e qualidade, para comprovar a importância para o assunto em questão.

A wikipedia tem regras para evitar que a mesma perca a sua “credibilidade” de forma que qualquer utilizador não publique ideias que vêm do seu próprio âmago, como falar da sua própria vida, das suas coisas ou alterar o conteúdo de para expressar a sua opinião pessoal.

Os maiores motores de busca (Google, Bing, Duckduckgo) apresentam uma caixa de texto em destaque do primeiro parágrafo relativo à questão em pesquisa. Isto é feito de maneira automática. Desta forma, qualquer conteúdo novo publicado pelo comum dos mortais aparece imediatamente numa posição de grande destaque a nível mundial.

Posto isto, tenho a partilhar por esta via, qual a minha perspectiva relativamente ao comportamento dos administradores que têm poderes absolutos sobre o conteúdo, e decidem, de forma a maior parte das vezes não fundamentada e cega, aplicar as regras relativamente a conteúdo não aceitável.

Acontece muitas vezes, que o primeiro aviso ao criador inicial de um artigo inteiramente novo não dá o mínimo tempo possível de reacção ao criador, pois entre o aviso e a eliminação activa normalmente não decorre mais do que uma ou duas horas. Desta forma, não existe forma do utilizador recuperar o conteúdo que criou de forma a poder reutilizá-lo noutras vias.

Pela minha experiência, é inútil argumentar com um administrador porque na maior parte das vezes eles não entendem do assunto em questão. Por ser uma enciclopédia generalista envolvendo “gaziliões” de assuntos diferentes, nem é suposto, como seres meramente humanos que são, dominarem todos estes assuntos. Até porque são voluntários e normalmente têm uma lista de alertas gerados por analizadores automáticos de conteúdo, e têm de cumprir estas tarefas duma forma sumária, e portanto, sem oportunidade para, de forma neutra, analisarem os mais diferentes assuntos em questão ao detalhe. Portanto, estes senhores administradores, podendo não possuir formação que lhes competa avaliar em profundidade a matéria em questão têm poder de censura sobre matérias sob as quais não dominam. Não vale a pena dizer que o próprio é especialista no assunto em questão, apontando para um perfil no Google Scholar onde aparecem as fontes onde podem aparecer o número de referências a que elas são feitas por outras publicações na matéria. Pelo contrário, o administrador, como humano simples que é, vai pensar que se trata de bluff egocêntrico da pessoa em questão e desta forma, a melhor abordagem é pedir a um conhecido para criar os conteúdos em vez de si próprio ? É ilegítimo alguém querer partilhar conhecimento proveniente do seu trabalho directamente na Wikipédia ?

Foi exactamente isso que um amigo me pediu, ele que não se sente confortável com a interface de edição da Wikipédia, criar artigos sobre conteúdos relacionados sobre publicações suas na wikipédia.

A princípio tudo bem, construtivamente avisavam que um artigo precisava de mais do que uma fonte, a notoriedade do conteúdo a isso o exigia, e era exactamente isso o que eu fazia.

O problema é a partir do momento em que sou confrontado pela primeira vez com um aviso de remoção rápida advertindo-me que tinha copiado “ipsis verbis” o conteúdo que o meu amigo me enviou para partilhar. Nunca tal tinha sucedido. Fiquei de pensar se o meu amigo me enviou conteúdo copiado literalmente. Ele disse-me que não e acredito nele. Não fui confirmar pessoalmente. Confronto o administrador com esse facto e sou brindado com a resposta de que outro artigo, no ar há 5 meses, tinha um grau de cópia de 80%, em valores redondos, ainda superior ao do grau do artigo inicial, que era de 67%. O que fiz? Refiz pessoalmente o primeiro artigo, baseado numa fonte completamente diferente e publico o novo conteúdo, com origem nessa nova fonte, mas que o meu amigo me veio dizer contrariava em vários pontos o teor original do seu conteúdo, e não voltei a citar o artigo dele, para não ser acusado de violação de direitos de autor . O que os senhores da wikipedia decidem fazer ? Novamente avisos de remoção rápida, desta vez de falta de verificabilidade e notoriedade.

Comecei a entrar em paranóia, e com sentimentos de má fé na atitude destes administradores. Solicito que me apaguem a conta e aviso que vou deixar de contribuir financeiramente o projecto, porque deixei de acreditar nele.

A wikipedia, apesar da credibilidade que lhe foi dada por Google e similares, não dispõe de um corpo de revisores científicos que seja capaz de verificar caso a caso o teor dos conteúdos propostos. Em vez disso, tem um conjunto de pessoas leigas que decidem de forma cega e imponderada sobre o que fazer com os conteúdos propostos. Exigem pelo menos duas fontes independentes para que o conteúdo seja considerado de qualidade objectiva, mas basta uma decisão rápida, sumária e necessariamente subjectiva de somente um administrador para eliminar esse conteúdo.

E não vale a pena argumentar com eles, porque eles vão reagir de forma pessoal e começar a levantar problemas com o utilizador, levando inevitavelmente a um bloqueio desse utilizador. Para evitar isso, solicitei a eliminação da minha conta, a que acho que tenho direito de acordo com os regulamentos de protecção de dados da União Europeia.

Como foi dito acima, este conteúdo foi publicado originalmente na área pessoal da wikipédia. Foi removido passadas duas horas, como esperado, por parte de um administrador que não gostou de ver como as coisas funcionam na sua organização, sob a pretensa desculpa de que o conteúdo em questão não era aceitável na área pessoal da wikipédia, evitando esclarecer convenientemente os motivos objectivos da eliminação. Vou agora adicionar a hiperligação para este novo artigo aqui no blog a partir da página da área pessoal, provavelmente será removido e eu serei bloqueado definitivamente. Esperemos que não, mas a verdade seja dita que não me faz diferença nenhuma, uma vez que não vou fazer mais nada lá.

O Corvo

Fernando Pessoa teve várias actividades profissionais durante a sua vida mediana (morreu com 47 anos, qual era a esperança de vida em 1935?), teve de improvisar para sobreviver mas foi na sua actividade de tradutor que teve mais sucesso. O famoso poema de Edgar Allan Poe “O Corvo” exerceu sobre ele um fascínio que o levou a traduzir este Poema e publicá-lo na revista Atena em 1924.

Existem várias traduções deste poema em português, sendo a mais antiga a do brasileiro Machado de Assis de 1883. Mas é a versão de Pessoa que reproduzimos aqui:


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio Dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais –
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
“É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais”.
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
“Senhor”, eu disse, “ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi…” E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais –
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

A dieta mediterrânica na Idade Média

No século X, temos o testemunho de um clérigo enquanto emissário do imperador germânico Otão I à corte do imperador romano do Oriente Nicoforos II em Constantinopla (actual Istambul) relativamente aos hábitos alimentares da corte oriental. A cisão entre Leste e Oeste na Alta Idade Média não era apenas política e religiosa mas também cultural, e especificamente nos hábitos alimentares.

O testemunho escrito do lombardo Liuprando de Cremona dá-nos conta de que a culinária romana, era tipicamente mediterrânica, com grande predominância de azeite, cebola e alho e com a continuação da existência do garum, uma pasta à base de peixe . A alimetação da corte europeia de Otão I era, de onde era oriundo Liuprando, à base de carne de caça, ovos e manteiga, daí a impalatabilidade de que Liuprando deu conta no seu relato da visita diplomática à corte bizantina.

Para Liuprando a maior parte desta comida era impalatável, estando presente entre a infinita enumeração de defeitos que o bispo lombardo fez sobre a corte bizantina, sem poupar o imperador !

Os povos bárbaros que sucederam ao Império Romano do Ocidente tinham uma longa tradição de caça, a qual se manteve quando, apesar de se converterem ao cristianismo, mas tal não alterou os seus hábitos alimentares.

Seria interessante ter acesso a estatísticas de longevidade e doença no antigo império bizantino no século X, para comprovar se comprovavam as vantagens desta dieta entre os bizantinos.

É possível ler o relato de Liuprando online.

Três exemplos do modernismo no Algarve

O seguinte ensaio pretende dar uma ideia de vários trabalhos de pintura, escultura e arquitectura efectuados no Algarve durante o século XX e cuja obra se caracteriza dentro do movimento conhecido por modernismo.

Paisagem – Algarve, por Carlos Filipe Porfírio

Segundo Francisco Rosa Dias (Dias, 2022, p. 19), em 1923 o pintor Roberto Nobre propunha que fosse criado no Algarve um museu de pintura. Isto porque em Lisboa haviam ocorridos 5 exposições havia pouco tempo de artistas algarvios, reconhecendo que havia pelo menos 7 nomes, todos eles, no entender de Nobre, ”pintores algarvios ou residentes no Algarve, ou pintando sobre o Algarve” (sic), estando entre eles o notável Eduardo Viana, então a residir em Olhão.

Continuar a ler “Três exemplos do modernismo no Algarve”

Museu da cidade de Lisboa – um verdadeiro museu local?

O Museu de Lisboa que se encontra sedeado no Palácio Pimenta no Campo Grande deveria intuitivamente cair dentro da classificação de um museu local ou regional. Mas há razões para crer que se trata mais provavelmente de um museu artístico-arqueológico. Veremos os dois pontos de vista com exemplos para que seriam razões para crer se preenche as condições de um doutro tipo.
O museu regional pertence a uma categoria que é centrada em dar a conhecer a valências culturais e históricas de uma localidade ou região. Vocacionado para tanto o público local e geral, pretende registar para a posteridade as peculiaridades de uma cidade ou região, tendo em conta o contexto histórico próprio e tudo o que faz ser diferente das demais regiões.
O primeiro museu da cidade foi fundado em 1942 no palácio da Mitra em Marvila movendo-se para este palacete em 1979, depois de ter sido adquirido pela autarquia de Lisboa em 1961. O conceituado arquitecto Raul Lino ganhou um projecto para a remodelação com o fim explícito de ser o museu da cidade. O próprio edifício está classificado como Imóvel de Interesse Público (alvará de 1936) por albergar uma colecção de azulejos setecentistas de Nicolau de Freitas. (Noé e Figueiredo, 2011).
Como um museu tradicional, possui uma colecção própria em exposição permanente, destacando-se a pintura seiscentista de Dirk Stoop representando o Terreiro do Paço nessa época. A nível de interpretação histórica é de relevo a maquete da cidade pré-terramoto.
Como a maior parte dos museus, a necessidade de adquirir mais materiais a preservar levanta questões relacionadas com o espaço, o que se torna uma barreira para o crescimento do espaço museológico, visto que o edifício se encontra classificado.(Faria, 2010)
Não que esteja em mente fazer uma “ampliação” subterrânea à maneira da que foi feita para o museu do Louvre (Louvre | History, Collections, & Facts | Britannica, 2023)., mas a solução adoptada foi a de dar ao museu um cariz polinucleado, com vários “submuseus” em diferentes pontos da cidade. Como não se pode trazer alguns artefactos para um museu, um novo núcleo por exemplo foi aberto no local da exploração arqueológica do Teatro Romano. Por outro lado, esta abordagem permite a requalificação dos espaços que vão ser os novos núcelos já que eles próprios são património classificado.
Apesar de a classificação mais fácil de fazer seja de o considerar um museu regional, por o tema ser claramente a cidade e daí decorrer uma abordagem transversal de diferentes campos culturais desde as artes visuais até artefactos arqueológicos (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 261), no entanto faltam-lhe características para ser considerado um verdadeiro museu regional.
Isto porque os museus locais possuem, devido à sua grande abrangência cultural com perspectiva etnográfica, uma vertente demonstrativa do património imaterial onde seriam abordados fenómenos como o dialecto, formas de coabitação, artes manuais, artifícios, gastronomia, coreografia, tradição oral, hábitos musicais e folclore, etc. (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 264) (Marques, 2013, p. 235).
Sem dúvida, no momento histórico que atravessamos, devido à globalização em que todos os habitantes no planeta são praticamente todos contactáveis entre si, existe um crescendo no sentido da homogeneização cultural a nível global, estando em risco de desaparecer os endemismos próprios de cada ponto localizado no planeta, daí a necessidade de preservar todas estas características de imaterialidade que individualizam um local, neste caso, uma cidade (Rocha-Trindade et al., 1993, p. 264).
Conceptualmente, os museus locais são importantes meios de interacção com a população local como forma de reterem a sua identidade própria, origens e forma de estimular hábitos de valorização do seu património, promovendo o desenvolvimento humano, pessoal e impessoal, através da educação, investigação, publicidade, economia e turismo. (Primo, 2006)
Como exemplos de um museu local “completo” temos o caso da Vila-Museu de Mértola. Este museu é polinucleado e estende-se por todo o concelho: a partir do castelo e da igreja matriz, que conserva grande parte fundamental da mesquita que foi, foram sendo “musealizados” vários espaços da vila : começou com um museu de arte sacra, seguido de uma antiga forja que foi transformada na “Forja do Ferreiro”. Achados que resultaram das explorações arqueológicas passaram a constituir uma exposição num núcleo islâmico. Para além da arqueologia, foi criada uma oficina de tecelagem para a demonstração ao vivo desta arte. Fora da vila, na antiga aldeia mineira de São Domingos, foi reaproveitada uma antiga habitação social de mineiros para constituir a Casa do Mineiro. Trata-se, portanto, de um museu tradicional com arte e arquitectura mas também com uma forte componente etnográfica.(Rafael, 2010, pp. 41–48)
Como exemplo de um museu elaborado à volta do saber imaterial temos o museu de trabalho Michel Giacometti, em Setúbal. Este etnógrafo italiano percorreu o país todo entre as décadas de 60 a 80 recolhendo a tradição musical ligada à actividade laboral. O museu é polinucleado e a sua sede aproveita uma antiga fábrica conserveira, cujo acervo foi recuperado e exposto juntamente com artefactos ligados às actividades agrícola e piscatória. Outro dos núcleos deste museu é uma mercearia antiga, transladada para o museu principal, de maneira que os visitantes podem experimentar a atmosfera de um mercado tradicional do princípio do século XX. Este museu apoia migrantes de baixa condição social, apoiando esta comunidade através das “Tardes Interculturais”. Por outro lado, a terceira idade é incentivada a dirigir-se ao museu e interagir com os visitantes contando as suas histórias de vida (Marques, 2013, pp. 241–8).
Desta forma, e através destes exemplos podemos ver que para ser considerado um verdadeiro museu da cidade, este teria de possuir uma componente etnográfica. Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que as metrópoles são sobretudo amálgamas de gentes provenientes de épocas diferentes de todas as partes do país, de forma que o “genuíno” ser tradicional – os seus “endemismos” – lisboeta ter-se-à perdido à muito, se é que realmente alguma vez existiu. Lisboa é capital nacional desde a Idade Média. Nunca terá algo semelhante a um “museu de província” como os de Setúbal e Mértola.

BIBLIOGRAFIA
• FARIA, Ângela Dos Santos – Museu da cidade. Um crescimento ilimitado. Ampliação e reestruturação dos núcleos dos séculos XX e XXI [Em linha]. [S.l.] : Faculdade de Arquitectura de Lisboa, nov. 2010 [Consult. 10 mai. 2023]. Disponível em WWW:. masterThesis.
• Louvre | History, Collections, & Facts | Britannica – Em Britannica online [Em linha] [Consult. 12 mai. 2023]. Disponível em WWW:.
• MARQUES, Joana Ganilho Henriques – Museus locais. Revista Vox Musei arte e património. . ISSN 2182-9489. 1:2 (2013) 235–246.
• NOÉ, Paula; FIGUEIREDO, Paula – SIPA – Casa da Quinta da Pimenta [Em linha], atual. 2011. [Consult. 10 mai. 2023]. Disponível em WWW:.
• PRIMO, Judite – A importância dos museus locais em Portugal. Cadernos de Sociomuseologia. 25 (2006).
• RAFAEL, Lígia Isabel Da Silva – Os trinta anos do projecto Mértola Vila Museu : Balanços e perspectivas [Em linha]. [S.l.] : Universidade de Évora, 25 mar. 2010 [Consult. 15 mai. 2023]. Disponível em WWW:. masterThesis.
• ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz et al. – Iniciação à museologia [Em linha]. [S.l.] : Universidade Aberta, 1993. 1–237 p. [Consult. 12 mai. 2023]. Disponível em WWW:.

O “cinema novo” português e as memórias dos antepassados

O “Cinema Novo” foi um movimento que tentou refundar o cinema nacional em torno de novos paradigmas: em vez de adaptar uma história de um romance para o grande écrã, grandes adereços, actores e orçamentos, havia a preocupação sobretudo de contar uma história com a menor sofisticação possível. Daí que apareceram filmes de autor, contando histórias individuais com os quais a audiência se pudesse identificar.
Tal é o caso em “Verdes Anos” em que um jovem da província -Júlio – chega a Lisboa para vencer na vida, inicia um romance inesperado com uma rapariga da cidade, no qual acaba apenas revelando a sua insegurança. Com uma banda sonora profunda e contagiante da autoria do consagrado Carlos Paredes, o espectador é transportado para a Lisboa dos anos 60, onde ainda subsistem pequenas bolsas de ruralidade e nas quais habita o tio de Júlio – tal como ele provindo da província – , sinais que antecedem o desfecho do filme, em que o rural soçobra perante o avanço da urbanidade.

Verdes Anos (1963). Habitação do tio de Júlio, em zonas de Lisboa ainda por urbanizar


Quatro anos depois, o realizador Paulo Cunha volta a iniciar a sua história com a chegada, ou melhor, o regresso de um pescador à sua terra natal e verificar que todo o mundo que esperava voltar a encarar tinha desaparecido, em consequência da namorada se ter casado com o irmão. Ignorado, Adelino tenta recomeçar a sua vida no mar, mas a ideia de recuperar o que tinha perdido não lhe sai da mente. Temos mais uma vez um filme centrada numa personagem que procura reajustar-se com a realidade.
O “cinema novo” português foi a transposição para a Portugal da “Nouvelle Vague” francesa. Vários dos cineastas deste novo paradigma estudaram e interagiram com vários nomes sonantes deste movimento, como Jean-Luc Goddard e Truffaut. Um bom exemplo de obra de Truffaut é o “Menino Selvagem”, onde se relata a descoberta de uma “criança feral”, que ficou conhecido para a posteridade como “Victor de Aveyron” e das tentativas que um sábio, interpretado pelo próprio Truffaut, realizou para civilizar e “recuperar” o rapaz. De certa maneira, os temas do neorrealismo cruzam-se aqui, na medida de que forma a sociedade e o meio moldam o nosso desenvolvimento e de que forma nos tornam nuns inadaptados quando somos colocados num “habitat” diferente. É de certa maneira o que se passa com Júlio e Adelino, que foram retirados da sua zona de conforto e da forma como reagem nessa nova condição. De certa forma é como que os cineastas do novo movimento estilístico se estivessem a questionar de que forma as suas novas ideias os fariam parecer como as próprias personagens da sua história, como se fossem incapazes de fazer passar as suas novas histórias ou a audiência os fizessem sentir como as personagens inadaptadas das suas histórias.
Pessoalmente, o enredo não suscitou pessoalmente o meu interesse, mas o lugar e o meio onde ele se desenvolveu. Como descendente de uma família de pescadores oriundos da Murtosa, não muito longe de Ovar, foi interessante descobrir como viviam os habitantes do Furadouro e descobrir as suas práticas diárias. Vêm-se cabanas de pescadores, cânticos religiosos enquanto remam, moliceiros, o mar a avançar sobre a terra, que foi como que despertar memórias ocultas de antepassados no meu ser.

Trecho de Mudar de Vida com cânticos de devoção a Nossa Senhora

As consortes espanholas em Portugal

Alegoria às cortes de Lamego (1818) por Domingos Sequeira

Nas Cortes de Lisboa de 1679, ainda sob a regência do Infante D. Pedro relativamente à incapacidade do irmão Afonso VI, foi legislada o teor da sucessão de que filhos de uma infanta portuguesa com um nobre estrangeiro estariam excluídos daí doravante da sucessão.

Estavam desta forma, em contexto pós-guerra, gizados os pressupostos para que a história que levou à Monarquia Dual se voltasse a repetir. Em resultado da restauração, a tradição de casar os sucessores da coroa com infantas espanholas foi quebrada durante perto de 100 anos (isto se excluirmos Luísa de Gusmão visto que não era infanta).

Em 1641 é feita pela primeira vez referência às cortes de Lamego que teriam tido lugar durante o reinado de Afonso Henriques. Essa teoria foi posta em causa por Alexandre Herculano no séc. XIX, visto não existir qualquer prova documental de cortes anteriores a 1211.

D. Henrique e D. Teresa condes de Portucale. A tela está datada do século XVII, após a restauração

A existência destas cortes terá sido ficcionada pelo novo regime saído da Restauração como forma de legitimar o seu novo poder e como forma de se voltarem a verificar crises sucessórias. Certo é que durante cerca de 80 anos Portugal não voltou a ter uma rainha espanhola até 1750, quando a infanta Mariana Vitória, casada com o príncipe D. José foi entronizada como rainha consorte. Pelo meio, e depois de Luísa de Gusmão, tivemos uma rainha italiana (Maria Francisca de Sabóia), alemã (Maria Luísa de Neuburgo) e austríaca (Maria Ana). Em 1727 com o casamento do príncipe herdeiro José com a infanta Mariana Vitória por necessidades de entendimento entre os vizinhos ibéricos por causa da posse do mar do Rio da Prata, já que Portugal havia criado a chamada “colónia do Sacramento” (que veio a dar origem ao Uruguai) para disputar com Espanha esta região rica em recursos.

Esta “regra” das Cortes de Lamego permaneceu na memória colectiva quando a filha mais velha de D. José, D. Maria I casou com o tio Infante D. Pedro. Quando a bisneta, a homónima Maria II casou com Fernando de Saxe, um nobre alemão, ninguém voltou a falar das cortes de Lamego a não ser quando, anos antes, o infante D. Miguel convocou as últimas cortes portuguesas para se auto legitimar, vulgo, por causa da sobrinha Maria ser filha do irmão entretanto ‘estrangeirado’ por ser imperador do Brasil.

Carlota Joaquina, mãe dos dois irmãos de Portugal, seria a última rainha consorte espanhola em Portugal. Daí adiante, teríamos uma italiana (Maria Pia) e francesa (Amélia de Orleães) a sentarem-se no trono.

Ponto de situação na Genealogia

Após cinco anos a dedicar-me ao estudo genealógico da minha família, decidi fazer um ponto de situação.

Com o auxílio do site https://learnforeverlearn.com/ancestors/ é possível gerar uma “macro-árvore” genealógica onde podemos ver a dimensão em extensão horizontal (nº de indivíduos) e vertical (tempo).

Para o meu caso, consigo ver que o tronco paterno está muito mais desenvolvido que o materno em virtude de conseguir cruzar a informação por mim obtida com a pré-existente em sites de genealogia on-line.

Do lado esquerdo, a árvore ainda não está tão desenvolvida em virtude de ao contrário do lado paterno, não ter sido possível cruzar informação.

Árvore Genealógica obtida a partir de GEDCOM em https://learnforeverlearn.com/ancestors/